12/06/2011

O desejo



Estranha coisa essa que nos acende a alma e perpassa por entre os dedos, como areia fina. É a certeza do ir sem a certeza do chegar. Ou, quem sabe, como um blues, que tocamos com os dedos no ar, sem saber onde ficam as notas certas.

Há uma janela de frente para o abismo, que separa o querer e o poder. Um átimo que diferencia realidades, que pode negar acessos, gerar sonhos e deixar as essências em polvorosa, como a mão que tateia no vazio e toca o rastro vacuoso deixado pelo silêncio.

Assim são os desejos e alguns, mais intensos, lançam-me em desertos, sem os prometidos oásis, levando-me à condição de refém da esperança da água que, talvez, nunca saiba se miragem ou não.

É assim que desejo você, como um exercício continuado de paixão extrema. Não sei como você é, se existe, qual sua forma, nem seu nome. Você é algo que busquei por toda uma vida, sem sequer saber se teria direito a encontrar. Entre o caminho e a busca optei por fazer da própria busca meu caminho e apenas desejá-la, trouxe-me até aqui. Há um tanto de você que, sem que você saiba (e preciso acreditar nisso), me traria as chaves para abrir portas, que nem sei se existem mesmo.

Meus porões estão em cócegas esperando seu chegar para saber a cor de sua roupa do dia, a quantas anda seu penteado e se, dessa vez, vencerei meus fantasmas e direi qualquer coisa que valha a pena ser ouvida por seus ouvidos. Pois desejo que merece ser chamado assim, deve ser despudorado, insano, absurdo como o exagero. Senão, é apenas uma vontadezinha. E ai, basta esperar um pouco que passa.

Resta-me confessar que você já foi minha tantas vezes, que decorei cada dobra, cada curva, cada som que vem de você. E você, inocente como convém aos enamoramentos shakespearianos, apenas não sabe que existo.

Todos os dias, olho pelas frestas da vida para ver se é chegado o dia de sua chegada e até hoje, só vi partidas.

Assim, doce paixão, saia do anonimato, surja-me logo e preencha o lado frio da cama, antes que o ocaso faça a parte dele. Pois, desejo que não se materializa é apenas a apologia solene e absoluta do nada.

Escrito em 25 de novembro de 2008. Menos de seis meses depois, encontrava todas essas respostas: Helena. Minha musa, minha mulher, meu melhor amor. Poesia em forma de mulher.


Anderson Fabiano, em 12 de junho de 2011 – Dia dos namorados.

Imagem: Getty