26/09/2010

Fantasias eróticas de uma noite de inverno


Eles nunca estiveram naquela casa e ele sequer conhecia aquelas pessoas que, de alguma forma, pareciam fazer parte do passado dela. Parecia ser uma tarde sábado, ou algo assim. As pessoas vestiam roupas despojadas e não pareciam formar casais, pares talvez... Umas dez ou doze pessoas, incluindo eles dois.

A casa parecia ser uma construção antiga. Cômodos amplos, pé direito alto, chão de tábuas corridas. Acomodaram-se num primeiro ambiente, uma sala de muitas portas e com poltronas e sofás espalhados junto às paredes. Um guarda-roupa de madeira escura, grande, era o único móvel à vista.

A abertura das portas do armário revelou um sem número de fantasias: chapéus de Carlitos, vestidos de vedetes, capas de super-heróis, máscaras diversas e cada um pegou alguma coisa. Ela pegou uma estola de boá lilás, envolveu-o no pescoço e fazendo caras e bocas, debochadamente glamorosas, ensaiou uma performance de stripper, ao som de uma música que surgiu de algum lugar. Sorrisos e discretos aplausos encorajaram-na a continuar.

Ele, sentado junto ao braço direito de uma grande poltrona, sorriu em aprovação. Eles se olhavam o tempo todo. Cada gesto, cada movimento era acompanhado por um ou por outro.

Confiante na cumplicidade de seu amado, ela permitiu-se continuar e tal qual uma stripper de “club” barato, dançou insinuante, alisando-se, apertando-se, entregando-se de corpo e alma aos prazeres daqueles toques.

Num movimento mais ousado, alisou os seios sob a blusa fina e desceu as mãos, fazendo-as sumir por baixo do cós da bermudinha de jeans até apertá-las entre as coxas trêmulas. “Hum, gostei disso...” Dando dois passos para trás, atirou-se displicentemente sobre um sofá, próximo ao armário, buscando o próprio prazer. Todos riram e excitaram-se com a idéia.

Não havia libertinagem ou maldade no ar, apenas uma naturalidade adulta e aceitação das fantasias de cada um.

Um homem levantou-se e foi até ela, inclinou-se, maliciosamente, em direção ao seu rosto e fazendo ares de sedutor, insinuou: “Quer ajuda?”

Ela, sem parar seus movimentos, olhou seu amado e depois, o homem: “Sim...” O homem, então, a beijou leve e timidamente nos lábios, roubando dela um pedido com jeito de ordem: ”Se é pra fazer, faz direito!” E enlaçando-o com o braço livre, beijou-o ardorosamente. Mas, no exato momento em que aqueles lábios estranhos tocaram os seus, o rosto do homem transformou-se no de seu amado.

Ao se afastar, o homem revelou, tímido e vitorioso: “Continua beijando como antigamente.”

Um segundo homem, encorajado pela iniciativa do amigo, foi até a mulher que seguia se masturbando, abriu-lhe o decote e, sem nada dizer, beijou e chupou seu seio com avidez e volúpia. Ela, olhando por cima daquele invasor debruçado sobre seu momento de intimidade, buscou num lampejo a aprovação de seu amado e seguiu se deliciando com aquela repentina sessão de mordiscadas, lambidas e chupadas. E, uma vez mais, no exato momento em que seu seio desnudo foi tocado, foi o rosto de seu amado que todos viram.

Satisfeito, o segundo homem voltou ao seu lugar: “Continuam macios e gostosos, como antigamente.” Todos sorriram nervosos e excitados.

Não resistindo mais a tantos toques, beijos e chupadas, ela gozou. Louca e furiosamente, contorceu-se, meneando a cabeça com olhares difusos, curvou-se até reencontrar uma posição fetal, junto ao braço da poltrona e assim permaneceu pelo tempo de recuperar o fôlego.

Um terceiro homem, então, sem camisa, acercou-se dela, leviano, ousado e sem conseguir disfarçar a excitação que pulsava sob sua bermuda, provocou aos demais: “Se continua beijando como antes, se os peitinhos continuam como no nosso tempo, a bundinha deve continuar gostosa como sempre...” Mas, quando tentou encaixar-se entre ela e o outro braço da poltrona, foi rechaçado: “A brincadeira acaba por aqui! Só existe um homem que pode me tocar e esse, com certeza, não é você!” Surpreso, o terceiro homem reagiu: “Mas, você sempre gostou?...”

Ela, então, fazendo do silêncio crítico sua melhor resposta, levantou-se e recompondo-se, caminhou até seu amado. Ajoelhou-se aos seus pés, apoiando-se em suas coxas e perguntando preocupada: “Tudo bem, amor? Um olhar de desconforto foi tudo que conseguiu tirar de seu amado. Mas, foi o bastante para que ambos se levantassem e abraçados, tão cúmplices como chegaram àquela estranha casa, caminhassem na direção da porta. Ele abriu a maçaneta, enquanto ela, voltando-se para o grupo e sentenciava: “Ninguém viu nada, não aconteceu nada”. E, se desvencilhando da estola de boá que, suavemente, caía ao chão, despediu-se, apertando seu amado num longo abraço: “A fantasia acaba aqui.”

Ele acordou assustado, sentindo o mesmo abraço longo e próximo. Reencontrou sua amada livre das pesadas cobertas que os protegiam naquela noite de inverno, velando-o, preocupada com seu sono agitado e emoldurada por um sorriso insinuante e curioso. Nenhuma palavra foi dita antes que aqueles corpos se fundissem num só. Apenas toques, gemidos, frêmitos, movimentos desconexos, loucos, furiosos e, após um tempo sem medidas, um orgasmo simultâneo, intenso e despudorado.

Na manhã seguinte àquela noite em que fantasia e realidade perderam seus limites, apenas alguns resquícios jaziam junto à mesinha de cabeceira: uma garrafa vazia de Cabernet, duas taças e... uma estola de boá lilás.

Anderson Fabiano

Imagem: Google, editada pelo autor. 

01/06/2010

O reencontro


A penumbra ilude a presença de corpos que não vemos, mas, sabemos, estão lá. Promessas sussurradas, desejos confessados, avidez juvenil travestida na vontade voraz, adulta e saudosa.

O frio impõe pijamas, cobertas, aconchego de corpos em conchas... Tudo à espera da nudez prometida, inevitável e consentida e a janela que emoldurou a agonia de olhares perdidos, saudosos, distantes agora se esconde atrás de pesadas cortinas.

Olhares, carícias, gestos e toques libertam os primeiros gemidos reprimidos, sob sons sacros de um Shankar e um raga distante perfuma de sândalo o leito cálido e profano.

As vontades se ampliam e céleres, repartem com a sofreguidão das esperas indesejadas, o encontro prometido.

Corpos arqueiam, enroscam-se, envolvem-se, encaixam-se, doam-se em serpenteantes movimentos rumo ao lúdico, como algo que flutua entre o tântrico e o vulgar.

Novos gemidos, mais fortes, rabiscam as paredes que isolam o mundo daqueles corpos, agora nus, descobertos, indefesos em seus desejos e sem testemunhas.

Bailam como um par de grous apaixonados em vôo rasante.

Pequenas obscenidades revelam o descontrole dos orgasmos que se anunciam. Então, urros de prazer, cúmplices, uníssonos rasgam a madrugada chuvosa em direção ao absurdo prometido das paixões.

E corpos desenhados em seus suores, pela tênue luz da tela de um notebook, descansam enfim, a saudade, num longo abraço que só se desfará com as primeiras luzes da próxima manhã.

Anderson Fabiano

Imagem: Gethy

17/05/2010

A palavra que nunca foi dita



Há perguntas que nascem com a gente, permeiam nossas existências, colorem ou não nossas vidas e ficam inauditas, inéditas, originais como recém nascidos. Há palavras assim também. E uma, em especial, sapateia em minha alma há alguns milênios. Algo que ninguém nunca disse, algo subsônico, invisível, incólume à maldade dos homens; uma palavra nascida nos primórdios da humanidade e com destino sabido no infinito.


Palavra que exprime algo que ninguém pode (ou soube) sentir antes, que fala de um sentimento a meio caminho entre o nunca e o sempre e bem acima das paixões sabidas. Um segredo reservado pra uns poucos raros, que nem gritos nem sussurros podem liberar.


Uma palavra sem forma, nem idioma, dita apenas pela alma dos puros, sem som algum. Uma palavra que nunca foi dita, porque não pode ser dita, apenas sentida.


Vaguei por décadas nessa e em outras existências, buscando sentido pra dizer a palavra que sabia estar pulsante dentro de mim, mas, sem ouvidos cúmplices pra recebê-la. E, finalmente, com a interferência sábia dos deuses de todos os tempos, deparei-me com a metade que me fazia inteiro. E, então, disse... Fora-me, enfim, confiado o sacro direito de pronunciá-la.


E dois templos se amalgamaram num só, sem tantas perguntas, sem tantas respostas, sem os medos tantos que remetem as pessoas às trincheiras do desamor e tudo que buscamos, a partir dali é, apenas, proclamar que é possível entregar-se, sem fantasias, à certeza de um simples dizer e de um simples ouvir... Ainda que de uma palavra que nunca foi dita.

Anderson Fabiano


Imagem: Google

20/03/2010

Enquanto você dormia...


Queria saber falar de coisas cujas verdadeiras dimensões, desconheço.
Preciso entender como o mar se junta ao céu lá longe, no horizonte, sem que as nuvens se molhem, nem as estrelas percam seu brilho, tragadas pelas ondas. Desconheço o limite exato entre o sonho e realidade.
Queria saber do amor todas as nuanças, versões, aparências, embalagens e formas. Mas, não sei. Só sei amar. E, se penso ser grande meu amor, como saber se ele é maior que outro? Se é bastante, perceptível, bem recebido, correspondido, ideal... Mas, desconheço a verdadeira dimensão do amor. Só sei dos meus suores inexplicáveis, da taquicardia, do meu brilho no olhar, da minha vontade de um estar, do sorriso que me desenha o corpo, correndo louco pelas veias e artérias.
Queria saber explicar como consigo necessitar de um alguém, numa escala rara, que perpassa o próprio amor...
Queria poder emocionar (sempre) a fêmea que escolhi pra dividir uma varanda sossegada, num futuro que fica bem depois daqui e nem sei se vai existir...
Na verdade, esse queria não tem nada de pretérito e muito menos, de imperfeito. É só uma vontade louca de saber dizer: amo você.
Anderson Fabiano
Imagem (edit): Getty

16/03/2010

Amo sim


Amo sim. Não um amor descrito na chatice das bulas do previsível, mas o amor ungido pelo imponderável, aquele irracional, sem sentido, desprovido de lógicas. Amo dobrar uma esquina, dar de cara com você, perder o fôlego, ficar gago das mãos, sentir o sangue fugindo da face e não encontrar uma única palavra inteligente, nesse nosso vastíssimo vocabulário, para dizer. E amo mais ainda, perceber que você percebeu tudo isso em mim e riu, discreta e marotamente, como convém às boas amantes no prenúncio de uma nova paixão.
Amo sim. Não um amor desses da moda, modernoso, tipo matéria de capa de revistas idiotas de capas bonitas. Amo apenas, o único amor que conheço, aquele que eleva o espírito, inunda a alma, rouba o ponteiro da bússola e, com ela, o norte de tudo. Amo como nos folhetins ou filmes de capa e espada. Amo a eterna busca da alma gêmea, da cara metade. Amo apenas como quem acredita no depois. Por isso, se você só consegue ter para mim, a próxima noite, sem direito a dia seguinte, pode até ser bom, mas, não é você que busco. Para os curativos, prefiro band-aid e o velho mercúrio cromo.
Amo sim. Amo não ter pudores e torcer, a cada manhã, que você me chegue como a mais discreta e elegante imperatriz, para consumo externo e a mais despudorada e devassa meretriz, para inadiável troca de segredos dos nossos encontros. Amo estar seu e poder senti-la estando minha, na mais cartesiana interpretação do ser e estar.
Amo sim. E se consegui chegar até aqui, a despeito dos medíocres, das feridas nos pés e na alma é porque sei que está, cada dia mais próximo, o mágico momento em que você me sorrirá nos olhos e entregar-me-á sua alma aos cuidados e afetos, que reservei para você.
Amo sim. Porque só a você confiarei meu melhor amor. E, já que é possível que eu tenha dito isso a outro alguém, em algum dia, preciso, desde já, confessar, que menti.
Anderson Fabiano
Imagem: Filipe Pires (Olhares)